sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013


No próximo dia 14 comemora-se o Dia de São Valentim




Sim, sabemos que não tínhamos tradição, que a comemoração é importada! Mas que importa? Não são sempres boas as razões para comemorarmos o amor, o afeto, a poesia?
Nessa perspectiva,  este ano, relembramos Camões, Fernando Pessoa, através de Álvaro de Campos, e Camilo.
Na biblioteca, além dos textos, temos um marco onde poderás deixar as tuas cartas, declarações de amor, mensagens de afeto, que a biblioteca entregará, no próximo dia 14, ao destinatário.

 



 Luís Vaz de Camões...



Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
 
Mas como causar pode seu favo
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

                                                 
 



Álvaro de Campos...


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
 

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

 
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

 
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
 

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

 
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

 
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

 
 
 
 
 Camilo Castelo Branco...
 
 
 
Esta carta foi escrita por D.ª Teodora Barbuda de Figueiroa, morgada de Travanca, a seu marido Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado de Agra de Freimas, que, tendo sido eleito deputado, tivera de fixar residência em Lisboa.
Emissor e destinatário são personagens de ficção, criadas por Camilo Castelo Branco, no romance A Queda de um Anjo, publicado em 1866.
 
              

«Já com esta são três que te escrevo, e ó por hora nem uma nem duas da tua parte. Marido! que fazes tu, que não respondes? Ando a futurar que não tens miolo no seu lugar. Longe da vista, longe do coração, diz lá o ditado. Ora, queira Deus que não seja por minga de saúde; e, se é, di-lo para cá, que eu estou aqui estou lá.

O primo Afonso de Gamboa esteve cá há dias, e a modo de caçoada foi-me dizendo que lá na capital as mulheres enguiçam os homens, e fazem deles gato-sapato.

Eu fiquei sem pinga de sangue, meu Calisto! Mal fiz eu em te deixar ir às Cortes. Bem tolo é quem está bem na sua casa, e se mete nestas coisas dos governos, que só servem para quem não tem que perder, como diz o primo Afonso.

O pior é se tu pegas a doidejar com as mulheres, e sais do teu sério. Eras um marido perfeito como a santa religião o quer, e tenho cá uns agouros no peito que me não deixam fechar olho há três noites. Deus te defenda, homem, e te traga aos braços da tua mulher são e escorreito da alma e do corpo.

Saberás que o mestre-escola anda de candeias às avessas porque tu lhe não respondes à carta em que ele te pediu uma venera. Olha se lhe arranjas isso ainda que te custe pedir ao rei ou lá a quem é a tal coisa. O homem tem-me feito favores, quando eu preciso que ele me leia a relação dos foreiros. A vaca preta comeu o bicho, e morreu ontem à noite. Lá se vão cinco moedas e um quartinho com a breca. O centeio da tulha do meio deu-lhe o gorgulho, e tratei de o vender, a trezentos e quinze, foi bem bom arranjo; eram mil e duzentos alqueires.

Olha cá, meu Calisto, disse-me a Joana Pedra, que ouvira dizer ao Manuel da Loja, que ouviu dizer ao compadre Francisco Lampreia, que veio de Bragança, que lá lhe disseram que tu mandaras ir a casa de um negociante mais de cem moedas de ouro!!!

Fiquei estarrecida. Pois tu lá não recebes do rei dinheiro que te sobre? Em que afundas tu tantas moedas, homem? Vê lá no que andas metido, Calisto! E, se te for muito necessário algum dinheiro, cá estou eu para to mandar. Aquele caixote de peças de duas caras fui há dias escondê-lo na lareira da cozinha velha, porque tenho medo à ladroeira desde que tu andas por lá.

Não te enfado mais. Responde sem demora, que estou muito consternada.
 

                                            Tua mulher que muito te quer

                                                                               Teodora.»